De capricórnio ao caos

Não por opção, tenho me entregado ao caos criativo, à desordem, à desestrutura, ao abismo excitante do descontrole, do orbitar a ilógica – improvável para um capricorniano. Contudo, improvável mesmo é este capricorniano falando em signos, logo, não menti sobre o caos que vivo, sua desobediência aos padrões, e seu condicionamento a um tempo de ordenamento pragmático inexistente. Se estou entregue ao caos não é por firula criativa, nem por pirotecnia conceitual ou cosmética técnica, é porque o tempo e seus caprichos assim o impõe. A necessidade de criação durante o último ano me pegou de assalto, não teve pudor, não respeitou minha lógica, não foi sensível ao meu estupor em sentir-me violado no conceito basilar que sustenta minha trajetória artística: a organização. Como capricorniano que sou, você deve me perceber à beira de um colapso – me exponho ao ridículo de reiterar referências a signos zodiacais para que você possa dimensionar o estado de putrefação do meu harmônico método de criação que, outrora, conduzia a serenidade que me fazia olhar para você com aquele meu olhar blasé, que escondia sobriedade, mas que aparentava desdém. Hoje, meu olhar transloucado ao fixar os olhos em você e não concatenar sobre o que estamos falamos, nada mais é do que o efeito de quem redemoinha-se em si, perde-se no selvático indecifrável, assombra-se com a impudência de entregar-se ao caos, e finge nada estar acontecendo.

Está acontecendo a avaliação, a análise, a tentativa de descoberta do que é a criação. De que lugar ela fala? Que esfera ela habita? Quando se revela? Que despretensão ela governa? Que imagem ela estampa?

Dia desses criei algo que veio de um lugar inesperado, e cri entendê-lo interessante.  Não programei, não pesquisei, não preparei. Apenas olhei. Juntei a existência. Os elementos estavam lá, a lógica da cena existia muito antes de eu pensar nela, e ao se apresentarem para mim as peças desordenadas dessa cena que se escondida no caos, pude percebê-la e harmonizá-la em um dizer que supria minha necessidade criativa. Não vou entediar você com uma descrição. É só um exemplo retórico; não gaste sua hermenêutica. Apenas me acompanhe no caos e pergunte comigo: há algo inexplicável na criação? Após décadas de técnica, lógica, método, racionalidade, academicismos, podemos dizer que há um lugar intangível na criação artística que é impossível se acessar através da técnica lógica?

Para um homem de teatro como eu, ventilar essa hipótese desvinculada do estudo, da pesquisa, do aprimoramento técnico, violenta todas as minhas crenças, todos os meus credos, toda a minha fé, todos os meus ritos, toda a minha devoção – outra chacota terminológica que faço para aqueles que padecem da minha intimidade, e sabem que sou ateu, incrédulo, agnóstico, irreligioso, descrente. Pode? Pode se pensar, em pleno século XXI, que exista no teatro esse lugar romântico do talento, da inspiração, do divino? Ventilo me poupar dessa heresia em forma de pensamento, mas me violenta o caos criativo, e sou exigido a levar em consideração dimensões outras das que me guiaram até aqui, pois hoje elas não me conduzem, e o caos não tem me levado a maiores insucessos que os que visitei no decorrer da minha jornada pregressa.

Contratempo, o caos não é controlável. Divisível. Organizável. Dele se extrai o que ele deixa, e isso é frágil. É um terreno para se edificar? Retumba um espasmo se não está sustentado em continuidade estruturante? Sem sentenças, habito o que me é possível habitar, e o caos é minha morada de hoje. Sou só suspensões e suspeitas. Dentre elas, o equilíbrio entre o caos e a ordem. Mas, o teatro não aceita paradoxos. Caos e ordem não se misturam. São antagônicos. Inconciliáveis. Se minha suspeita de hoje é que o caminho seria a conciliação entre ambos, minha inteligência me sugere que esqueça essa afronta à lógica.

Mas, como já expus aqui, sem compostura, a desidratada inteligência que possuo, posso me dar ao desplante de insistir em encontrar um caminho viável para que o caos que me assola possa um dia encontrar o ordenamento das décadas investidas em estruturar um caminho palpável para a minha criação artística. Afinal, sou capricorniano.

3 comentários em “De capricórnio ao caos”

  1. Fui reler e reler…ler você é instigante e mexe, remexe, destrói, constrói esse pensamento lento que tenho. Esse caos criativo vamos fortalecer? Estruturar? E sim bom tê-lo na intimidade

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  2. A todo método corresponde uma filosofia. Êi-la, a do quadro de antagônicos! Quero ver a contracena entre o Caos e a Ordem… Essa filosofia do método principiando recheada de chão é porque o técnico que elucubra é um artesão? Por onde vagará essa reflexão, apoiada nas ferramentas da oficina? Ou se perderá por aí… no ascendente, na lua? Sim, porque capricorniano com mais de quarenta já vive sob outras regências!

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